sábado, 28 de novembro de 2009

Profecia - Cap.Um.

(continuação)

Pude ver o brilho dos seus grandes olhos azuis, estavam húmidos, pelo que não continuei, e também porque não queria lembrar-me deles como não queria lembrar do mais recente.

O silêncio que ficou entre nós apenas era quebrado pelo barulho do motor do carro – não porque fizesse um barulho ensurdecedor, ao contrário era bastante sereno. Queria pensar que ela não iria querer saber sobre este pesadelo, mas conhecia-a melhor do que ninguém; sabia que me ia perguntar, estava apenas à procura da melhor maneira para o fazer. Conseguia percebê-lo, porque estava irrequieta, os dedos batiam freneticamente no volante – ela ia acabar por perguntar.

Na minha cabeça repetia vezes sem conta: “Não me perguntes nada, por favor, não me perguntes nada…”

- Alex? – Ela hesitou. – E deste, lembras-te de alguma coisa? – E baixou o tom da sua voz.

Nesse momento o que eu mais receava aconteceu: o rosto aterrorizado de Laura, os seus gritos e os olhos a transbordar de medo e terror… - lembrei-me e um arrepio subiu pela minha coluna fazendo-me estremecer.

- Não – menti, tentando com esforço esconder o nervosismo na minha voz e olhei pela janela. Se lhe respondesse que sim, seria obrigado a lembrar-me de mais pormenores que não queria rever. – Não deve ter sido nada de importante, apenas um pesadelo… Acho que foi mais um sonho do que um pesadelo… Não sei, não me lembro sequer sobre o que era… - Atropelei as palavras, acontecia sempre quando tentava esconder-lhe alguma coisa.

Ela disse que eu nunca consegui contar-lhe sobre os outros, será que lhe mentira como agora? Será que eu lhe dizia que não me lembrava de nada quando de facto lembrava de tudo? Comecei a sentir-me ainda mais culpado.

Uma das coisas que sempre odiei era mentir-lhe; pelo menos umas delas era verdade, de facto não se semelhava a um pesadelo, era mais um sonho – não acordei aos gritos. O que mais me impressionou naquele estranho sonho foi a forma como parecia real, como se conseguisse ver com os meus próprios olhos, era como se conseguisse sentir e cheirar o próprio sangue morno – quase podia jurar que senti o sabor do sangue na minha saliva – morno, suave e, estranhamente, doce… Doce? Porque senti o sangue doce?

Estremeci.

- Hum… Ok! – Ela concentrou-se na condução e fingiu aceitar a minha meia mentira.

A minha cabeça recomeçava a rodar, relembrar foi um erro – um enorme erro. A sensação de enjoo não podia ter surgido em pior altura, com o movimento do carro só aumentava, até que transformou-se numa sensação de vómito – não podia ser em pior altura, mesmo. O meu estômago estava decidido em provocar uma daquelas revoluções – espera, mas eu não comi! O que pode haver num estômago vazio para expulsar? Não iria ceder, pensei em todas as maneiras possíveis para me distrair – a cabeça doía-me com o esforço. Pensar não era a melhor solução. Por isso, agarrei nos auscultadores tentando parecer o mais normal possível (se isso fosse possível), rapidamente procurei no mp3 uma das minhas músicas preferidas que logo começou a tocar. Encostei a cabeça e com a ajuda da música tentei (em vão) distrair-me daquela sensação. Oh! Não! Não, isto não está a acontecer. O meu pensamento pedia – não, implorava: “não por favor fica muito quieto, estamos quase a chegar… Não há razão para ficares revoltado!” – o meu estômago, simplesmente, ignorou-me. A sua intenção era provocar uma revolução – uma daquelas! Oh, sorte!

- Está tudo bem, Alex?

Não! Conseguia sentir uma estranha sensação a subir pela minha garganta seguindo o trajecto da minha boca – agora não há nada a fazer.

- Estás pálido, deve ter sido de não comeres nada… Estou sempre a avisar-te… - Deixei de a ouvir, a sua voz esfumavas no ar; quando não conseguia conter mais aquela sensação… tive de gritar:

- Pára! – Levei as mãos à boca.

O carro quase derrapou no pavimento, com a travagem brusca que a obriguei a fazer, ouvindo-se o guinchar dos pneus e o buzinar irritado dos outros condutores. Mal o carro se imobilizou na berma da estrada, abri a porta de rompante e caí de joelhos – uma sensação horrível. Sentia o meu estômago a arder, a cabeça zonza e na garganta um gosto horrível - o meu estômago conseguiu o que pretendia. Depois de uns segundos uma estranha sensação de alívio invadiu o meu corpo fazendo-me relaxar e a cabeça parar de girar. Respirei fundo e deixei-me cair, sentado no chão encostado ao carro. O alívio que sentia era tão reconfortante: “Ufa… que alívio!”

(continua...)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Prof.Sang.-Transf.-Cap.Um

(continuação)

- Estás a ouvir-me? – Sarah arrancou os auscultadores dos meus ouvidos para me chamar a atenção. – Estou aqui a falar para o boneco, a falar a falar e tu não dizes nada… Passa-se alguma coisa, estás doente? – E levou a mão à minha testa a examinar se tinha febre.

- Estou bem! – Afastei-lhe a mão e ela repreendeu-me com o olhar. – Apenas tive uma noite difícil – e, a sobrancelha levantou-se pelo que aprecei-me a acrescentar – Tive um pesadelo. Não tens razões para te preocupares, não foi nada, a sério…

Agarrei nos auscultadores na esperança que ela não me perguntasse nada sobre esse pesadelo, não estava com a mínima vontade de lembrar-me dele. Aliás, não estava com vontade de falar sobre nada, apenas queria ouvir a minha música e lembrar-me de Kelly – o rosto doce, meigo de Kelly.

- Podias-me ter chamado que eu preparava-te alguma coisa…

- Mãe! Tenho quase 18 anos, acho que consigo sobrevier a um pesadelo – sorri, tentando esconder o nervosismo, só queria que não me perguntasse sobre ele…

- Uh… Tiveste um pesadelo? Que tipo de pesadelo? Lembras-te dele?

A minha esperança caiu por terra, porque tinha de falar nele? Agora não posso fugir, vou ter de me lembrar…

- Não tens pesadelos desde que tu eras pequeno – o sorriso dos seus olhos apagaram-se.

- Eu tinha pesadelos? – Inquiri. Não estava certo se queria saber.

- Sim… Eu ficava desesperada, queria ajudar-te a dormir mas não conseguia – a voz sumia-se enquanto falava, quase não conseguia perceber as suas palavras. – Sempre que fechavas os olhos começavas a gritar e choravas… hesitou e continuou – Gritavas, Alex, quase imploravas aos prantos: “Não, por favor não! Deixa-me em paz, não quero ser como tu…”. Depois, começaram a parar, graças a Deus. Foi um tempo muito difícil, tu recusavas-te a dormir porque tinhas medo que ele viesse.

- Quem? Sabes de quem eu tinha medo? – Fiquei espantado com a história que ela me contava, não me lembrava dessa altura; o que será que me metia tanto medo – De quê que eu tinha medo?

- Não sei, Alex. Nunca conseguiste contar-me – manteve sempre o olhar sereno na estrada, nem uma única vez olhou para mim; mas a sua voz soou preocupada e magoada.

Consigo imagina-la, mãe solteira, a abraçar-me tentando acalmar-me todas as noites escuras.

- Se… Se pudesse, tinha tomado o teu lugar naquelas noites – e, acrescentou olhando-me nos olhos por alguns segundos.

(continua...)