terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O Coração de Nazul - Cap. II

Capítulo II

Ao primeiro raiar do sol Land apressou-se para sair mas foi retido por Dª Helen, por quem foi criado, uma mulher de cabelos já grisalhos, sinal do tempo, tempo que não conseguiu pôr termo a sua doçura, era para Land como uma mãe que ele sempre desejou.
“Land, meu querido, onde vais com tanta pressa? Nem vais tomar o pequeno-almoço? Vá senta aqui e come qualquer coisa!”
Land era incapaz de lhe dizer que não, beijou-lhe a face e sentou-se. Não lhe revelara o que acontecera no dia anterior, não a queria preocupar, mas Dª Helen conseguia sempre saber se alguma coisa o perturbava, como naquele momento.
“O que se passa meu querido? Sinto que algo te está a incomodar!” – colocando a sua mão sobre a dele – “Sabes que podes desabafar comigo!”
Land não conseguia resistir a tanta ternura, segurou as pálidas mãos de Dª Helen nas suas com grande firmeza e cheio de coragem lhe perguntou: “Dª Helen…” – hesitou – “…onde me encontrou? Como foi que eu cheguei aqui até à aldeia?”
Dª Helen soltou suas mãos e se levantou, afastando-se de Land: “Porque me perguntas isso agora? Nunca tive os meus filhos, te acolhi como meu e não me arrependo! Não me interessam as tuas origens!”
“Eu sei…não estou a ser ingrato, apenas gostava de saber mais sobre as minhas origens!” – num tom mais constrangido Land pensou em questiona-la sobre a lenda que assombra as suas mentes: “Dª Helen a lenda de Nazul que todos temem, é verdadeira? Esse povo existe mesmo?”
Os olhos de Dª Helen transmitiam, agora desespero ao ouvir aquelas perguntas de Land, o seu corpo tremia, as mãos suavam frio, as suas pernas não conseguiam aguenta-la, teve de se sentar e dirigindo os seus olhos brilhantes pelas lágrimas que lhe corriam pela face, olhou Land bem no fundo dos seus olhos: “Porque queres saber sobre isso? Que te contaram?” – num tom desesperado implorava a Land – “Meu filho, por favor, esquece essa história, são apenas lendas que os mais velhos contavam! Faz-me um favor, não voltes àquele rio! Esquece!”
Perante o desespero de Dª Helen, Land abraçou-a decidindo parar de a questionar. Sabia com quem deveria falar sobre esse povo tão temível, o Mad Merry, todos o chamam assim por pensarem que é completamente demente. Dizem que a razão da sua loucura fora a morte terrível dos seus amigos enquanto nadavam no rio, desde então que Mad Merry nunca mais foi o mesmo, afirmando sempre que seus amigos tinham sido assassinados pelo rio, pelas criaturas de Nazul. Mad Merry, era o único que lhe poderia falar sobre este misterioso povo, mesmo correndo o risco de tudo não passar de uma loucura tinha de ir falar com ele. Decidido beijou a face de Dª Helen e saiu de casa, pelo caminho encontrou Claire que veio em direcção a ele.
“Land estás bem? Desculpa o meu pai, não sei porque reagiu assim!” – olhando-o nos olhos num tom preocupado - “Mas…onde ias com tanta pressa?”
Land segurando-a em suas mãos a sossegou: “Calma, apenas vou conversar um pouco com o Mad Merry!”
“O Mad Merry? Mas porque razão vais falar com ele? Todos dizem que ele está louco!”
“Por isso mesmo! Quero saber porque razão ficou assim!”
Claire percebera porque razão Land queria tanto falar com Mad Merry, para o questionar sobre o rio e a Floresta proibida, e essa ideia não lhe agradava de todo.
“Eu vou contigo então!”
Preparada para ir com Land até a casa de Mad Merry foi retida por ele: “Não Claire! Eu vou sozinho! Preciso de estar com ele a sós! Não fiques tristes comigo!” – acariciando-lhe a face branca – “Prometo que te conto, mas agora preciso mesmo de ir só!” - beijando-a com ternura na testa se afastou em direcção a casa de Mad Merry.
A casa de Mad Merry era a mais sombria da aldeia, não entrava a luz do sol, como se a escuridão se tivesse abatido naquele lar sem piedade não deixando nem uma pequena réstia de luz penetrar. As janelas estavam sempre fechadas, escuras da cor da noite, era o único lugar em toda a aldeia onde não se encontravam flores, nem erva verde que rodeia as outras. Mad Merry nunca se afastava de casa, sentia muito medo, passava a maior parte do tempo sentado à frente da porta sem falar com ninguém, todos sentiam uma certa repulsa por ele, apresentava-se sempre muito mal vestido e mal nutrido, era muito magro, cabelo sempre despenteado e aspecto oleoso e nos olhos uma clara demência.
Land aproximara-se da casa de Mad Merry decidido a entender o porquê da sua demência. Encontrara-o sentado no chão à frente da sua porta abraçado em si mesmo aquecendo-se com o sol, estava tão perdido nas suas lembranças que não dera por Land chegar. Estava tão sossegado, calmo, que Land não queria perturba-lo. Mas já não podia recuar, tinha demasiadas perguntas que precisavam de respostas. Aproximando-se ainda mais, tocou levemente no ombro de Mad Merry - “Merry?” – nesse instante Mad Merry sobressaltou-se, seus olhos estavam agora abertos, castanhos enormes, claramente assustados, todo o seu corpo agora tremia encolhido encostado à porta. Land ficou surpreendido pela reacção de Mad Merry, não esperava que tivesse tanto medo, afinal de contas estava em casa, não corria riscos.
“Merry, calma sou eu, Land! Só queria falar contigo um pouco! Pode ser?”
Mad Merry que se encontrava encolhido, levantara a cabeça, olhava Land com desconfiança no olhar. Nunca ninguém lhe dirigira o olhar, muito menos falavam com ele. Todos o tratavam como louco e agora um deles quer falar-lhe, porque razão? Que motivos trariam alguém até ele?
“Queres falar comigo? Porquê? Não sabes que sou louco?”
“Disso ainda não sei! Venho na esperança de descobrir o que te perturba!” – sentando-se a seu lado tentou começar um diálogo com ele – “Contaram-me que nem sempre foste louco!” – colocando a mão sob o ombro de Merry - “Dizem que a tua demência se deveu à perda dos teus amigos! Gostava saber o que realmente aconteceu nesse dia!”
Mad Merry baixara os olhos para o chão, não gostava de lembrar. Voltou a encolher-se e num tom baixo e frio pediu a Land que fosse embora.
“Por favor, deixa-me aqui sozinho! Contei tudo que vi e, por isso, me ignoram e chamam de louco! Ninguém acreditou no que eu disse, porque vens agora mexer nisso? Deixa-me!”
“Não posso, tenho demasiadas perguntas que só tu me podes responder! Por isso, te peço não me mandes embora, confia em mim! Merry, conta-me o que aconteceu naquele dia!”
Mad Merry não gostava de lembrar, tinha medo de lembrar. Quando lembrava, aquele dia parecia renascer, que voltava ao local e via novamente aquela imagem. Erguendo, novamente o olhar, mas agora não para Land, mas sim para o vazio, Mad Merry já não estava ali, só o seu corpo, a sua mente viajara pelo tempo de volta para o dia que mudou a sua vida.
“Foi tudo muito rápido! Num momento estávamos todos ali, e no outro apenas eu fiquei!” – o seu corpo começava agora a tremer – “Tom era o mais aventureiro de nós, não tinha medo de nada! Ele lembrou-se de desafiar a ver quem tinha a coragem de atravessar o rio! Eu não queria, mas Bert aceitou o desafio! Entraram no rio decididos a atravessá-lo!” – nesse momento os olhos de Mad Merry ficaram ainda mais abertos, a voz começou-lhe a tremer – “Foi então que apareceu….” – calou-se.
A ansiedade de Land aumentava a cada palavra de Mad Merry: “O que foi que apareceu Merry, conta-me!”
Todo o corpo de Mad Merry tremia, virou-se para Land agarrando-o com enorme força e olhando no fundo dos olhos: “Apareceu ela! Toda a água do rio tomou a forma de uma mulher à frente deles! Uma mulher de água, podia ver através dela! Ela afogou-os! Desapareceu sob eles, fazendo com que toda a água que a formava os levasse para o fundo do rio! Depois tudo ficou calmo novamente, o rio voltou ao normal, só eles é que não! Nazul não é uma lenda, é real! É real!” – Mad Merry voltara a encolher-se.
Land ficou impressionado com o que acabara de ouvir, um rio que tomou a forma de uma mulher. Tudo aquilo lhe parecia inacreditável. Mas uma questão continuava assombrar a mente de Land, terão eles ouvido a mesma voz que ele e, por isso arriscaram?
“Merry, nesse dia ouviram alguma voz a chamar pelos vossos nomes?”
“Não! Nada! Só aquela criatura que surgiu!” – agarrando o braço de Land – “Land, ninguém pode atravessar o rio, nem sequer pensar nessa hipótese! Não é possível engana-los, eles, sabem…” – novamente Mad Merry se encolheu no seu canto.
Land impressionado com a história de Mad Merry, levantara-se lentamente afastando-se da casa, pensando em tudo aquilo que acabara de ouvir. Mad Merry afirmou com toda a certeza de que não ouviram nenhuma voz naquele dia, nenhum deles fora provocado para atravessar, mas, então, porque ouvira o seu nome a ser chamado. Land caminha ao longo da estrada de terra batida perdido em seus pensamentos quando, de repente, algo o fez parar - “Land!” – novamente aquela voz a chamar por ele, mas na aldeia? Como podia ser? Land não queria acreditar. Parado no meio da estrada olhando em seu redor, não via ninguém. Pensativo nem reparara em Claire que se aproximava dele em passo apressado.
“Land vem comigo, preciso falar contigo!” – puxando-o pelo braço, foram até ao celeiro do seu pai. Tomando todo o cuidado para não serem vistos, entraram – “Sei porque foste falar com Mad Merry! Por favor Land esquece essa história, não tentes nenhum disparate! Eu…eu não suportaria a ideia de te perder…”
Land num gesto carinhoso colocou o seu dedo sob a boca pequena de Claire para que parasse de falar, tinha por ela um sentimento muito forte, para ele a ideia de perde-la era um pesadelo. Olhando-a bem no fundo dos seus olhos azuis, acariciando-lhe a face branca, levou as mãos ao seu colar, pegou nele e o colocou no pescoço de Claire.
“Claire descobri que não sinto por ti apenas amizade! Eu amo-te e como prova entrego-te o meu bem mais precioso, o meu coração, e com ele este colar!”
“Mas Land é a única coisa que possuis do teu passado, é a única pista para os teus pais, não posso aceitar!”
“Neste momento, tu és a coisa mais importante! Mas tenho de descobrir o que está acontecer! Não posso ficar parado!” – beijou-a na testa.
Lágrimas corriam no rosto de Claire, não aceitava aquela loucura.
“Land, por favor, se me amas, não atravesses o rio! Por favor, fica comigo!”
Land secou-lhe as lágrimas da face e a abraçou. Ficaram abraçados por muito tempo. Quando Claire ficou mais calma Land a acompanhou até à porta de casa.
Não podia perder mais tempo, tinha de aproveitar o momento para seguir o seu destino. Apressou-se pelo trilho traçado, na pequena floresta, que levava até ao rio, tinha de descobrir a quem pertencia aquela voz que chamava por ele e porquê.

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